Maira Caleffi

Humanidade contra o câncer

Por Maira Caleffi
Chefe do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento e presidente voluntária do Instituto da Mama do RS (Imama)

Vemos uma série de importantes evoluções no combate ao câncer principalmente nos últimos dez anos. A tecnologia traz uma precisão impressionante para personalizar o tratamento, como a identificação de alterações genéticas do tumor, que permite administrar drogas específicas para cada caso. Novos equipamentos de radioterapia possibilitam apontar a radiação para o local exato das células cancerosas, preservando as saudáveis.

É o que chamamos de medicina personalizada: tratar de acordo com as particularidades do paciente e do câncer. Porém, se a inovação é fundamental, ela sozinha não dá conta de todas as necessidades, sobretudo quando falamos do câncer, uma doença de múltiplos impactos: na vida, no físico, no psicológico, na família, no trabalho.

Assistir o paciente em todas essas dimensões exige mais do que tecnologia. Pede acolhida, carinho, apoio em sua jornada única. Enfim, humanidade. E o Brasil tem uma oportunidade única para avançar nesta direção, a partir da sanção da Lei 14.450, que cria o Programa Nacional de Navegação de Pacientes para Pessoas com Neoplasia Maligna de Mama. A iniciativa estabelece o acompanhamento de casos suspeitos ou confirmados de câncer de mama, oferecendo abordagem individual pelos chamados navegadores de pacientes.

Essa experiência começou nos anos 1990, em Nova York, nos Estados Unidos. No Brasil, foi trazida de forma pioneira pelo Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento, em 2003, sendo consolidada oficialmente como o programa Nurse Navigator em 2016. A partir da identificação do paciente com câncer, ele passa a ser acompanhado por uma enfermeira, que estará ao seu lado em toda a jornada contra a doença. Seu objetivo é fortalecer uma rede de atenção ao cuidado do paciente, de acordo com seu perfil, tipo de câncer e tratamento, tirando dúvidas, educando familiares e oferecendo apoio emocional.

Desde a implementação do programa, o tempo médio entre o diagnóstico e o início do tratamento caiu de 23 para 12 dias. Mais de duas mil pessoas já passaram pela navegação, que foi reconhecida e é continuamente qualificada com o apoio da Johns Hopkins Medicine International, uma das mais importantes instituições de medicina do mundo.

Com a sanção da lei, abre-se a oportunidade e desafio de levar esse modelo a todo o país. Uma necessidade fundamental diante da desigualdade de acesso ao diagnóstico e tratamento. O tempo médio para identificar a doença é de 270 dias, o que agrava o quadro do paciente, pois muitas vezes a descoberta se dá em estágios avançados. Há também a distância de grandes centros de referência, levando pessoas a se deslocarem.

Temos hoje a Lei 13.896/2019, que determina a realização de exames de diagnóstico de câncer em 30 dias, e a Lei 12.732/12, que garante o início do tratamento em no máximo 60 dias após a identificação da doença. Prazos que precisam ser garantidos - e um programa de navegação pode ajudar.

Mais do que apenas investimento, qualificar a jornada do paciente com câncer no SUS passa por uma mudança de mentalidade: todos os profissionais devem ser parte dessa luta. Assim, um programa de navegação surge como ferramenta imprescindível para essa conexão, inserindo o indivíduo numa rede de atenção.

Temos a experiência na área do câncer de mama, mas esse modelo pode ser replicado para os diferentes tipos da doença. O Hospital Moinhos de Vento, com expertise de duas décadas nesse tipo de programa, está aberto para contribuir para que a navegação seja uma realidade em todo o país.

Cada paciente é único. Ele tem suas dores, angústias, dúvidas e necessidades. A tecnologia ajuda, mas a precisão também precisa contar com a dimensão humana. Este é o verdadeiro sentido de uma medicina personalizada. A partir desse caminho, reduziremos as desigualdades e mudaremos a realidade da luta contra o câncer no Brasil.​

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